Associação Piauiense
do Ministério Público

Nota técnica busca resguardar MP de indevidas ações civis de indenização

A Associação Piauiense do Ministério Público (APMP) lançou uma nota técnica, nessa quinta (2), com o objetivo de resguardar os membros do Ministério Público de indevidas ações civis de indenização por danos morais, as quais acabam por servir para tentar intimar e silenciar os agentes públicos integrantes da Instituição.

O documento esclarece que, juridicamente, não é possível ingressar diretamente com uma ação contra o promotor de justiça, senão em caráter regressivo, após ser a ação intentada contra o ente público. Logo, o Estado precisa ter sido, de forma primária, responsabilizado.

Confira a nota técnica na íntegra:
 

NOTA TÉCNICA 02/2015

A ASSOCIAÇÃO PIAUIENSE DO MINISTÉRIO PÚBLICO, entidade de classe representativa de Promotores e Procuradores de Justiça do Ministério Público do Estado do Piauí vem, com o objetivo de resguardar os membros do Ministério Público de indevidas ações que acabam por servir para tentar intimidar os agentes públicos integrantes da Instituição, elaborar a presente NOTA TÉCNICA.

É de conhecimento público que os Membros do Parquet atuam na fiscalização da aplicação dos recursos públicos, enfrentamento do crime organizando, exercem o controle externo da atividade policial, fiscalizam a aplicação de recursos em entidades do terceiro setor, atuam na proteção do meio ambiente, enfim, exercem seu ofício nas mais diversas áreas da sociedade e por serem estas áreas geridas por pessoas dotadas de poder, a atuação fiscalizadora do Ministério Público acaba sendo equivocadamente vista por alguns gestores como um obstáculo à ser superado.

Diante desse enfrentamento contínuo, não raro, Promotores e Procuradores de Justiça acabam por sofrer tentativas de intimidação. Representações nos órgãos disciplinares, exposição na mídia, ameaças e ações judiciais acabam sendo as mais corriqueiras formas para tentar silenciar os agentes do parquet.Esta última forma, no entanto, tem sido uma constante preocupação de todos os que, como agentes públicos, são demandados em ações que visam reparações por danos morais diretamente apresentadas contra o Promotor de Justiça sem que o Estado tenha sido, de forma primária, responsabilizado.

            É regra constitucional prevista no art. 37, § 6º que "as pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa". 

            A literalidade do dispositivo seria suficiente para espantar qualquer dúvida sobre o entendimento do tema, no entanto, ainda há quem apresente tais demandas em juízo. Havendo eventual dano a ser reparado em caso de ação ou omissão ministerial, caberia a apresentação de demanda em desfavor do ente público que, eventualmente, demandaria o membro do parquet em caráter regressivo.

            A respeito, leciona a doutrina:

A ação ou omissão do membro do Ministério Público, ainda que ilegais ou abusivas, nunca responsabilização o próprio Ministério Público, que não tem personalidade jurídica e sim é órgão do Estado. Este sim é responsável pelos atos do Ministério Público (MAZZILLI, Hugo Nigro. A defesa dos interesses difusos em juízo. 12. ed., São Paulo, Saraiva: 2000, p. 380.

            Acerca do assunto, transcrevo os seguintes ensinamentos: “

“...colocar os agentes políticos na vala comum da responsabilidade civil não raro será dar azo a que não cumpram intimoratamente seu dever. Intimidado, poderia o membro do Ministério Público ceder à fraqueza de não cumprir o que entenda ser o seu dever. Para evitar esse risco, de todo indesejável, tem sido tendência geral nos vários países democráticos assegurar condições para que os promotores sejam capazes de adimplir na plenitude suas atribuições funcionais, embora de forma necessariamente responsável, mas sem intimidação, embaraço, perseguição, interferências indevidas ou exposição injustificada a responsabilidade civil, penal ou de qualquer outra natureza

O Superior Tribunal Federal manifestou seu entendimento sobre o tema, in verbis:

EMENTA: - Recurso extraordinário. Responsabilidade objetiva. Ação reparatória de dano por ato ilícito. Ilegitimidade de parte passiva. 2. Responsabilidade exclusiva do Estado. A autoridade judiciária não tem responsabilidade civil pelos atos jurisdicionais praticados. Os magistrados enquadram-se na espécie agente político, investidos para o exercício de atribuições constitucionais, sendo dotados de plena liberdade funcional no desempenho de suas funções, com prerrogativas próprias e legislação específica. 3. Ação que deveria ter sido ajuizada contra a Fazenda Estadual - responsável eventual pelos alegados danos causados pela autoridade judicial, ao exercer suas atribuições -, a qual, posteriormente, terá assegurado o direito de regresso contra o magistrado responsável, nas hipóteses de dolo ou culpa. 4. Legitimidade passiva reservada ao Estado. Ausência de responsabilidade concorrente em face dos eventuais prejuízos causados a terceiros pela autoridade julgadora no exercício de suas funções, a teor do art. 37, § 6º, da CF/88. 5. Recurso extraordinário conhecido e provido. (RE 228977, Relator(a): Min. NÉRI DA SILVEIRA, Segunda Turma, julgado em 05/03/2002, DJ 12-04-2002 PP-00066 EMENT VOL-02064-04 PP-00829)

Colhe-se ainda da jurisprudência o seguinte julgado, in verbis:

MANDADO DE SEGURANÇA – RESPONSABILIDADE CIVIL DO MAGISTRADO – CONDENAÇÃO IMPOSTA NO PRÓPRIO PROCESSO EM QUE ATUOU – NECESSIDADE DE AÇÃO PRÓPRIA – DEVIDO PROCESSO LEGAL – ATO ATENTATÓRIO À INDEPENDÊNCIA DO JUIZ – IMPARCIALIDADE. A responsabilidade civil do juiz somente pode ser reconhecida por meio de ação própria e perante o juízo competente. Cabe à parte lesada promover a respectiva ação contra o Estado e comprovar o dolo na atuação jurisdicional. Nesse caso, o magistrado somente responderá em ação de regresso, garantido amplo direito de defesa. Por isso, a condenação subsidiária do juiz da causa, no julgamento de recurso interposto pela parte, viola o devido processo legal e atenta contra o princípio do contraditório e da ampla defesa. Trata-se de ato que não se compadece com a independência que deve pautar a atuação do magistrado. É inadmissível, dentro do Estado Democrático de Direito, inserto na Magna Carta em vigor, submeter o juiz à mera possibilidade de responder civilmente, de forma inquisitorial, tão só pelo fato de, no exercício da atividade jurisdicional, ter decidido de forma contrária ao pensamento do órgão recursal. Decisão deste jaez, por mais razão que o magistrado possa enxergar na postulação que lhe é submetida, compromete o princípio da imparcialidade. Diante desse quadro, revela-se manifesta a ilegalidade do ato atacado, violando direito líquido e certo do impetrante, reclamando a concessão da segurança para o restabelecimento da ordem jurídica. Mandado de segurança julgado procedente.(TRT-15 - MS: 36 SP 000036/2011, Relator: LUIZ JOSÉ DEZENA DA SILVA, Data de Publicação: 08/07/2011)

Assim, resta claro que "o particular que sofreu o dano praticado pelo agente, deverá, pois, intentar a ação de indenização em face da administração pública, e não contra o agente causador do dano" (Direito Administrativo Descomplicado, Marcelo Alexandrino e Vicente Paulo, editora Impetus, 14ª edição, 2007, p. 540).

Inúmeras decisões judiciais se posicionam nesse sentido, conforme segue: 

EMENTA: AGRAVO DE INSTRUMENTO - RESPONSABILIDADE CIVIL - ILEGITIMIDADE PASSIVA - AGENTE PÚBLICO -- ART. 37, § 6º, CF - EXTINÇÃO DO PROCESSO SEM RESOLUÇÃO DO MÉRIT1- O particular que sofreu dano praticado por agente público deverá intentar ação de indenização em face da administração pública, e não contra o agente causador do dano. Este responde em ação regressiva, nos termos do art. 37, § 6º, da CF. 2- Diante da ilegitimidade passiva, impõe-se a extinção do processo sem resolução do mérito, conforme art.267, VI, do CPC. Agravo de Instrumento Cv Nº 1.0479.10.004739-4/001 - COMARCA DE Passos - Agravante (s): PAULO MÁRCIO DA SILVA - Agravado (a)(s): CÁSSIO DANILO CALLIARI. 

Tal assunto é de uma clareza solar pela literalidade do texto constitucional, mas ainda assim precisa ser reiterado, de forma que as vozes incomodadas com a atuação ministerial tenham que admitir a opção do constituinte por um Ministério Público sem amarras, independente, sem membros acovardados. Destemidos agentes públicos que não devem ser amordaçados sob qualquer pretexto, responsáveis profissionais que ostentam garantias que, de fato, materializam alicerce para que os Princípios constitucionais ganhem voz nas palavras de cada Promotor ou Procurador de Justiça. Assim, qualquer tentativa em sentido oposto ganha verdadeiro status de violação ao sistema democrático eleito pela Carta Cidadã, verdadeiro atentado contra as prerrogativas de um membro do Ministério Público, mas acima de tudo um golpe no Ministério Público, instituição defensora da ordem jurídica e do regime democrático.

O Tribunal de Justiça de São Paulo, instado a se manifestar sobre o tema relativo à responsabilidade civil do agente público, asseverou ser o Promotor de Justiça parte ilegítima para figurar no polo passivo, o que nada mais é do que o reconhecimento do óbvio, daquilo que diz textualmente a Constituição Federal. Segue decisão:

"RESPONSABILIDADE CIVIL – Lei de imprensa – Funcionário público – Promotor de Justiça – Ilegitimidade passiva e independência funcional – Carência mantida – Recurso não provido." (TJSP – AC 86.922-4 – São Paulo – 2ª CDPriv – Rel. Des. Osvaldo Caron – 16.11.1999 – v.u.)

"APELAÇÃO - Responsabilidade Civil - Indenização por danos morais - Inclusão em ata da Reunião Ordinária do Órgão Especial do Colégio de Procuradores de Justiça realizada em 16*05.2007, do voto do relator do recurso administrativo interposto contra decisão do Procurador Geral de Justiça do Ministério Público do Estado de São Paulo, que aplicara ao Autor-apelado, na qualidade de ex-CorregedorGeral daquela instituição, a pena de advertência - Publicação, em 18.05.2007, do extrato da aludida ata no Diário Oficial e no site do Ministério Público do Estado de São Pauto - Matéria que, segundo o demandante, seria sigilosa, e cuja publicação seria vedada, nos termos da Lei Complementar Estadual 734/93 (Lei Orgânica do Ministério Público Estadual) e do Regimento Interno do Órgão Especial do Ministério Público do Estado de São Pauto - Responsabilidade de tais atos administrativos que foi atribuída ao réu - Pretensão do demandante relacionada ao ressarcimento por danos morais - Ação julgada procedente na origem, para condenar o Réu ao pagamento de indenização no valor de R$ 70.000,00 - Insurgência recursal do demandado - Acolhimento da preliminar de ilegitimidade passiva - Artigo 37, §6°, da Constituição Federal - Agente público - Ato próprio da função - O fato de se atribuir a responsabilidade diretamente ao réu, tendo como pano de fundo as desavenças pessoais existentes entre as partes, não desloca a discussão da esfera administrativa para a esfera privada - Pedido de reparação que deve ser direcionado ao Estado, assegurado o direito de regresso na hipótese de responsabilização do Estado - Extinção do processo sem resolução do mérito, condenado o autor ao pagamento das custas, despesas processuais e honorários advocatícios."(v. 10756)

O STJ, instituição guardião do ordenamento jurídico federal, já decidiu que a pessoa que sofra o dano não pode ajuizar ação diretamente contra o agente público, porque este só responde, se for o caso, após ser demandada à pessoa jurídica a cujos quadros pertença, em ação regressiva: 

EMENTA: RECURSO EXTRAORDINÁRIO. ADMINISTRATIVO. RESPONSABILIDADE OBJETIVA DO ESTADO: § 6º DO ART. 37 DA MAGNA CARTA. ILEGITIMIDADE PASSIVA AD CAUSAM. AGENTE PÚBLICO (EX-PREFEITO). PRÁTICA DE ATO PRÓPRIO DA FUNÇÃO. DECRETO DE INTERVENÇÃO. O § 6º do artigo 37 da Magna Carta autoriza a proposição de que somente as pessoas jurídicas de direito público, ou as pessoas jurídicas de direito privado que prestem serviços públicos, é que poderão responder, objetivamente, pela reparação de danos a terceiros. Isto por ato ou omissão dos respectivos agentes, agindo estes na qualidade de agentes públicos, e não como pessoas comuns. Esse mesmo dispositivo constitucional consagra, ainda, dupla garantia: uma, em favor do particular, possibilitando-lhe ação indenizatória contra a pessoa jurídica de direito público, ou de direito privado que preste serviço público, dado que bem maior, praticamente certa, a possibilidade de pagamento do dano objetivamente sofrido. Outra garantia, no entanto, em prol do servidor estatal, que somente responde administrativa e civilmente perante a pessoa jurídica a cujo quadro funcional se vincular. Recurso extraordinário a que se nega provimento. (RE 327904 / SP - SÃO PAULO - RECURSO EXTRAORDINÁRIO, rel. Min. CARLOS BRITTO, Primeira Turma, j. 15/08/2006, p. DJ 08-09-2006 PP-00043 - EMENT VOL-02246-03 PP-00454 - RTJ VOL-00200-01 PP-00162 RNDJ v. 8, n. 86, 2007, p. 75-78). 

Neste mesmo sentido, outra decisão do STF: 

"Pelos atos ilícitos (inclusive os atos causadores de dano moral) praticados por agentes de pessoas jurídicas de direito público respondem estas e não o agente, contra o qual têm elas direito regressivo (CF 37 § 6º/'(STF-2ª Turma, RE 228.977-2-SP, rei. Min Nén da Silveira, j . 5.3.02, deram provimento, v.u., DJU 12.4 02, p.66) 

A literalidade do texto constitucional, os inúmeros precedentes pretorianos, a farta jurisprudência seguem como norte orientador para o Intérprete sobre o assunto. Mas o Supremo Tribunal Federal, em decisão publicada em 12 de abril de 2002, solucionou a controvérsia, chancelando o posicionamento de que os agentes políticos responderão apenas regressivamente, em função da carga representativa da sua atuação. Ressalte-se que o aresto se referiu a magistrado, cujo tratamento é análogo ao membro do Ministério Público por disposição constitucional prevista no art. 129, §4º:

"Os agentes políticos exercem funções governamentais, judiciais e quase-judiciais, elaborando normas legais, conduzindo os negócios públicos, decidindo e atuando com independência nos assuntos de sua competência. São as autoridades públicas supremas do governo e da Administração na área de sua atuação, pois não estão hierarquizadas, sujeitando-se apenas aos graus e limites constitucionais e legais de jurisdição. Em doutrina, os agentes políticos têm plena liberdade funcional, equiparável à independência dos juízes nos seus julgamentos e, para tanto, ficam a salvo da responsabilidade civil por seus eventuais erros de atuação, a menos que tenham agido com culpa grosseira, má-fé ou abuso de poder. 

"Nesta categoria encontram-se os Chefes do Executivo (Presidente da República, governadores e Prefeitos) e seus auxiliares imediatos (Ministros e Secretários de Estado e de Município); os membros das Corporações Legislativas (Senadores, Deputados e Vereadores); os membros do Poder Judiciário (Magistrados em geral); os membros do Ministério Público (Procuradores da República e da Justiça, Promotores e Curadores Públicos).

"2.1. Tais agentes, portanto, não agem em nome próprio, mas em nome do Estado, exercendo função eminentemente pública, de modo que não há como lhes atribuir responsabilidade direta por eventuais danos causados a terceiros no desempenho de suas funções. ... 

"2.2.Ora, o § 6º do art. 37 é expresso ao estabelecer que as pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa. O texto constitucional não restringiu a responsabilidade do Estado aos atos praticados pelos funcionários públicos como na Carta anterior, mas consignou o termo agente – gênero do qual é espécie o agente político, abarcando, assim, os atos praticados por todos os agentes públicos. Desse modo, em consonância com o comando constitucional, o postulante deveria ter ajuizado a ação em face da Fazenda Estadual – responsável pelos eventuais danos causados pela autoridade ao exercer as suas atribuições -, a qual, posteriormente, teria assegurado o direito de regresso contra o responsável nas hipóteses de dolo ou culpa."

 

Qualquer ação judicial que vise eventual reparação de danos proposta contra membro do Ministério Público no exercício de suas funções sem que seja demandado o ente público primariamente atenta contra o DEVIDO PROCESSO LEGAL E OSTENTA VÍCIO QUE FULMINA A AÇÃO DESDE A ORIGEM, uma vez que há flagrante ilegitimidade passiva, além de violar flagrantemente a Carta Magna em seu art. 37, §6º.

Desta forma, resta apenas concluir que nenhum membro do Ministério Público pode ser demandado diretamente em AÇÃO CIVIL POR INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS, senão em caráter regressivo, após ser a ação intentada contra o ente público.

 

Teresina, 02.07.2015

 

Paulo Rubens Parente Rebouças

Presidente da APMP-PI